quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A notícia Ainda Não Saiu...

Manoel Cardoso dos Santos Júnior. Esse era o nome do corpo estirado no chão. Coberto por uma folha de papelão, deixou um pé da sandália pra trás. Estava de bruços, dormindo gostosamente sem travesseiro. Milhões de cones e luzes vermelhas, nenhuma novidade. 
Três dias antes havia saído a notícia de uma criança atropelada. Tava correndo atrás de pipa. A culpa é das férias, oras. Onde já se viu soltar pipa na rodovia? Mas o Manoel eu não sei não. Talvez o jornal diga que ele tava puto da vida e resolveu se matar. Talvez o motorista estivesse bêbado, mas é bem improvável; era uma rodovia. Rodovia é pra carro, não é? Então Manoel não tinha carro. É... porque se Manoel tivesse carro, ele teria sido o acusado por homicídio culposo. Manoel era negro, devia ser trabalhador. Ou era um vagabundo, drogado, bêbado. Se jogou no mar do asfalto e só. Quem liga? Rodovia é pra carro, não pra gente. Azar o dele. O jornalista vai pensar ‘mas que ideia, atravessar a rodovia à noite? Bicho burro!’. 
E Manoel não tinha carro. Às vezes, ele se revoltou porque não tinha carro e resolveu causar problemas sérios a um infeliz motorista de classe média dessa cidade feita de rodovias; feita pra carros. Feita pra quem tem carros. Minuciosamente planejada. Mas, quem liga? Quando viu o papelão, nem você ligou. Achou que era qualquer coisa sem importância. E não é? Quando virou a cabeça pra tentar matar toda sua curiosidade e viu o policial levantando a folha de papelão, você pensou ‘mas que ideia, atravessar a rodovia à noite? (apesar de saber que o soltador de pipas morreu à luz do dia) Bicho burro!’. 
Se o nome do corpo era Manoel Cardoso dos Santos Júnior, eu não sei. Se era trabalhador ou vagabundo, você também não sabe. Se ele queria, enfim, deixar a sandália pra trás ou foi a maior cagada da sua vida (ou morte, sei lá, tô confusa), a gente só vai descobrir amanhã.



(Mas que a biografia do Manoel não vai passar no Jornal da Globo, todos sabemos)

Um comentário:

  1. uma história bastante interessante. gostei de todo esse pensar ao redor de uma morte na rodovia.
    ninguém sabe quem morreu e nem porquê, e, talvez, ninguém dê a mínima para isso.
    gostei do seu blog. ^^

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